22.7.07

Não cai no vestibular




Escrito por Daniel Moreira Safadi (meu filho)


O sol iluminava o quadro-negro, impedindo que visse o que estava escrito, mas isso não fazia diferença. Não prestava mesmo atenção à aula. Apenas olhava desinteressadamente para o professor, que formava frases desconexas.
Sentia minha pele fria. Não havia levado casaco. Tentava mais uma vez me concentrar na aula, mas algo impedia. Talvez minha revolta. Tentam a todo custo moldar-me para responder o que eles querem. Estou no terceiro ano e para passar no Vestibular não posso ter um estilo próprio. Tenho que mudar meu estilo de acordo com a banca. Tenho que mudar minhas opiniões e valores de acordo com quem vai corrigir. Depende se a banca é mais velha, ou mais jovem... Então sei o que poderei e o que não poderei escrever.
Aprendo fórmulas de matemática, física e química... Expressões vazias, mecânicas para mim.
Filosofia, religião, sociologia, política... Tudo se torna secundário e supérfluo neste ano. Não vale a pena gastar tempo discutindo o que não vai estar numa prova. Não posso perder tempo, tenho que estudar. Não posso me comover com a pobreza dos países africanos, afinal não estão na moda. O que cairá na prova de geografia da UFF terá a ver com as eleições do Iraque, portanto é isso que devo saber.
Tudo é tão ridículo. Mais uma leva de seres pensantes ensinados a se adequar ao sistema, para que possam sobreviver, para que possam ter uma chance. E nem isso é garantido!
Sinto-me estranho... Estou crescendo, a infância está ficando para trás, e isso é assustador. Nada mais será como antes. Cada idade tem seus medos e esse é o medo das pessoas conscientes da minha idade. De repente somos inquiridos a encarar o mundo, sem ao menos saber se vamos conseguir. Não sou imediatista, não somos imediatistas! Penso no futuro, não apenas na graduação, mas depois. O receio de que meus sonhos não se concretizarão, de que o tempo não pára e avança cada vez mais. O receio de que seguirei caminhos diferentes dos meus amigos e que perderei contato com alguns.
Mas isso não importa, afinal, não cai no Vestibular.

4 comentários:

  1. Dani,
    Cada vez eu me orgulho mais de meu sobrinho. Não é apenas com sua capacidade imensa mas também pelo ser humano que é,que sempre foi, desde pequenino. E agora o mundo lhe mostra o quanto é mais difícil.Seu texto é maravilhoso e me emociona.
    Não desista nunca de seus ideais, de seus sonhos, Dani querido, por favor.
    Beijos e admiração
    Tia vânia

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  2. Anônimo22/7/07

    Dani querido,
    Maravilhoso e cada vez mais admiro você. Agora você está em outra fase da vida e essa transição eu sei quanto é difícil.
    Mas nunca desita de seus sonhos,de seus ideais querido.
    Parabéns pelo sua competência e pelo ser humano que se revelou desde tão cedo.
    Beijos
    Tia Vânia

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  3. Um dos textos que mais gosto, por você. A simples constatação de forma ingênua e aos mesmo tempo tão coerente de como funciona esta máquina chamada vestibular. Beijão, te admiro muito.

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  4. Anônimo9/6/11

    Maria lindgren disse:

    Parabéns ao Daniel!!!!
    Gostei muitíssimo
    Maria Lindgren

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